1 de set. de 2014

Paradoxo



Nunca estou aonde estou,
Nunca penso o que eu penso.

Nunca sinto o que eu sinto,

Nunca posso o que eu posso.



No silencio do tumulto

Vozes voam pelo espaço.

Sons perdidos, tudo escuro,

Nunca faço o que eu faço.



Fico aqui no meu silencio,

Uma dor abrindo os olhos.

Penso nunca no que penso,

Fecho o corpo e me recolho.



Assim em você pensando,

Vou seguindo um paradoxo:

Penso em mim, em você penso,

Nesta estrada sem espaço.

Não procuro o que procuro,

Nunca acho o que eu acho.



Viena, agosto de 2014

29 de jan. de 2014

Curriculum Vitae



Já me fiz muitas perguntas,
Já me fabriquei respostas.

Entreti gente bonita,

Pra outras virei as costas.



Passei tempo com os ricos,

De meus pobres nem lembrança.

Sonhando vida infinita,

Vou morrer sendo criança.



Feri gente, bicho e planta,

Amassei graminha nova.

Fiz dinheiro à custa tanta,

Versos bobos, rimas obvias.



Igual larva no casulo

Me enrosco e fico escondida.

Um sobressalto, um pulo,

E lá se foi minha vida.

Grota do Junco, Janeiro de 2014

Gente


Gente vem, janta, engorda, estufa a pança.

Gente não fuma, não bebe, não transa – come;

Sem ter fome.



Gente possui belíssimos bens,

Gente acumula por puro prazer.

Gente consome, engole, mastiga, vomita;

E dança.



Grota do junco, julho de 2010

10 de mar. de 2013

O medo e a vida




“A vida começa”,
Dizia o rico profeta
“Aonde termina o medo”
- assim ele nos dizia.


Seguindo palavras tão sabias
E tendo um medo profundo,
Saí procurando a vida
E dei de cara com o mundo.


O mundo que encontrei,
Aquele no qual eu vivia,
Era regido por leis,
Das quais eu pouco sabia:


A lei do mais forte é eterna,
A lei da mentira é constante.
A lei que meu mundo governa
Pro meu medo é o bastante.


Então eu me disse, perdida:
Meu medo, qual é seu poder?
Se ele é o oposto da vida,
Somos mortos sem saber.


Os bichos que andam no mato
Se escondem e uivam de medo.
Crianças que acordam no escuro,
De medo abrem o berreiro.
Se tenho um amor profundo,
Do seu fim eu tenho medo.
Se o corpo me dói um pouquinho
O medo da morte me come.
Se a rua que ando é escura,
De medo apresso meu passo,
Se a porta me fecham na cara,
Meu medo me ajuda arrombá-la.


E aqui continuo pensando
Que vida é essa que me veio:
Cheia de medo  - e entretanto -
Que bela vida a que tenho!

Grota do Junco, Março de 2013

30 de ago. de 2012

Naquele dia


E foi no dia mais importante para ela,
Que ela transformou o dia em dia.
E como se ainda não soubesse o bastante,
Conseguiu sair pela tangente e deixar tudo de lado.

Sem saber por que andava tão somente
Na decidida luz do aclamado dia,
Saiu e caiu no paralelo do poente –
Um passo adiante e outro inacabado.

Sem saber se nesse dia o importante
Era o segredo do futuro ou o medo do passado,
Saiu do quarto, atravessou a sala e a cozinha,
E caiu no claro do sol ensanguentado.

E nesse dia importante,
Sem medo e sem saber o que fazia,
Falou e fez o que ninguém jamais a consentia
E pensou: mais um sonho realizado...

Viena, agosto de 2012